quarta-feira, 18 de junho de 2008

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio




Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.

Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos

Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.

(Enlacemos as mãos.)


Depois pensemos, crianças adultas, que a vida

Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,

Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,

Mais longe que os deuses.


Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.

Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.

Mais vale saber passar silenciosamente

E sem desassosegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,


Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,

Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,

E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,

Se quise'ssemos, trocar beijos e abraços e carícias,

Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro

Ouvindo correr o rio e vendo-o.


Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as

No colo, e que o seu perfume suavize o momento -

Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,

Pagãos inocentes da decadência.


Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois

Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,

Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos

Nem fomos mais do que crianças.


E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,

Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.

Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,

Pagã triste e com flores no regaço.
(Fernando Pessoa - Ricardo Reis)

Um comentário:

Fabrissa Valverde disse...

A saudade das suas delicadezas apertou um pouco mais hoje. Pensei em escrever um e-mail, mas perigava sair dessas melecas sentimentalóides, um troço vomitante. Doce com formiga. Então resolvi vir até aqui dar uma espiadinha esquiva em águas passadas e...

... ÁGUAS NOVAS!!!
(suas belezuras me acalmam tanto! Mas tanto!)

Você faz uma falta desgramada naquele orkut, viu? Nussinhora! Faz falta... faz muita falta! Uma falta beliscante. =/

Abraços,
Fabrissa.